A reforma da previdência pela EC 103/2019 trouxe inúmeras mudanças nos benefícios e, em especial na base de cálculo destes, assim esse artigo tem como escopo debater sobre a inconstitucionalidade do coeficiente de cálculo aplicado na concessão da pensão por morte, bem como da possibilidade de revisão do benefício em comento.
1. Da Pensão por Morte.
A pensão por morte é um benefício previdenciário devido ao conjunto dos dependentes do segurado que vier a falecer, aposentado ou não e está previsto no artigo 74 da Lei 8213/91 e no inciso V, do artigo 201 da Constituição Federal.
Esse benefício tem como principal função a proteção da família, pois garante aos dependentes dos segurados, que estão previstos nos incisos I a III, do artigo 16 do Decreto 3048/1999, uma fonte de subsistência que antes era provida pelo falecido.
Assim, de acordo com o artigo 16, são beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado, os listados abaixo, tendo os de primeira classe (inciso I) dependência econômica presumida, ou seja, não precisam de comprovação, devendo os demais dependentes comprovar a dependência econômica.
“I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de vinte e um anos de idade ou inválido ou que tenha deficiência intelectual, mental ou grave; (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020).
II – os pais; ou
III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de vinte e um anos de idade ou inválido ou que tenha deficiência intelectual, mental ou grave.”
Dessa forma, explicitado resumidamente algumas características do benefício de pensão por morte, passamos a base de cálculo do mesmo, objeto deste artigo.
O artigo 75 da Lei 8213/1991 previa que o valor mensal do benefício de pensão por morte seria de cem por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento.
Deste modo, no caso do segurado falecido já estar aposentado na data do óbito o valor da pensão seria o mesmo valor da aposentadora. Já no caso de o segurado falecido não estar aposentado na data do óbito, o valor da pensão seria calculado com base no valor da aposentadoria por invalidez a que teria direito e, em ambos os casos o coeficiente era de 100%.
2. Da Emenda Constitucional 103/2019
É sabido que Reforma da Previdência trazida pela EC 103/2019 trouxe profundas mudanças, tanto no tempo de contribuição dos benefícios como na forma de cálculo dos mesmos.
Umas das principais alterações foi na forma de cálculo do valor da pensão por morte, trazido pelo artigo 23 da EC 103/2019, que passou a prever que o benefício seria equivalente a uma cota familiar de 50% do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez) pontos percentuais por dependente, vejamos:
“A pensão por morte concedida a dependente de segurado do Regime Geral de Previdência Social ou de servidor público federal será equivalente a uma cota familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez) pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por cento).”
Assim, no caso do segurado falecido já estar aposentado na data do óbito o valor da pensão será o valor da aposentadoria multiplicado pelo coeficiente mínimo de 60%, no caso de apenas um dependente.
Já o artigo 26 da EC disciplina a forma que serão calculados os benefícios previdenciários, vejamos:
Art. 26. Até que lei discipline o cálculo dos benefícios do regime próprio de previdência social da União e do Regime Geral de Previdência Social, será utilizada a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações adotados como base para contribuições a regime próprio de previdência social e ao Regime Geral de Previdência Social, ou como base para contribuições decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal, atualizados monetariamente, correspondentes a 100% (cem por cento) do período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência.
§ 1º A média a que se refere o caput será limitada ao valor máximo do salário de contribuição do Regime Geral de Previdência Social para os segurados desse regime e para o servidor que ingressou no serviço público em cargo efetivo após a implantação do regime de previdência complementar ou que tenha exercido a opção correspondente, nos termos do disposto nos §§ 14 a 16 do art. 40 da Constituição Federal.
§ 2º O valor do benefício de aposentadoria corresponderá a 60% (sessenta por cento) da média aritmética definida na forma prevista no caput e no § 1º, com acréscimo de 2 (dois) pontos percentuais para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 (vinte) anos de contribuição nos casos:
Deste modo, no caso de o segurado falecido não estar aposentado na data do óbito, o valor da pensão será calculado com base no valor da aposentadoria por invalidez a que teria direito, sendo o cálculo dessa aposentadoria o valor correspondente a 60% da média aritmética simples dos salários-de- contribuição no período básico de cálculo, limitada ao valor máximo do salário-de-contribuição do RGPS, com acréscimo de 2% para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 anos de contribuição para os segurados do sexo masculino.
Portanto, é possível concluir que com as novas bases de cálculos trazidas pela EC 103/2019 houve uma redução significativa no valor da pensão por morte, bem como está redução se deu sem qualquer outro parâmetro econômico, como o estado de empregado do dependente, nível de renda, entre outros, o que caracteriza o esvaziamento do conteúdo da garantia constitucional da prática.
Assim, também é possível concluir que essas novas regras de cálculo e o coeficiente de cálculo da pensão por morte são inconstitucionais, pois atingem o núcleo essencial da proteção previdenciária, entendida como direito fundamental individual e, portanto, como cláusula pétrea (artigo 6º c/c artigo 60, § 4º, inciso IV, da Constituição Federal).
O princípio da dignidade da pessoa humana, também é claramente violado (artigo 1º, III, da Constituição Federal), pois no momento em que o dependente mais necessita do acolhimento do Estado, a Previdência Social lhe entrega um benefício de valor insuficiente à sua proteção social, ou seja, a diminuição promovida no valor da pensão por morte compromete as condições de subsistência e independência dos pensionistas, na medida em que implicam em redução, com excessiva onerosidade, do poder aquisitivo.
Sobre o presente tema, já temos algumas brilhantes decisões proferidas pela Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Sergipe (TRF da 5ª Região) e pelo Juizado Especial Federal de Toledo/PR.
E ainda, a alegada inconstitucionalidade do caput do artigo 23 da EC 103/2019 será analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da ADI nº 6916/DF. Apesar de ainda não haver decisão, importante observar que o parecer da Procuradoria Geral da República é pela inconstitucionalidade do dispositivo. Vejamos a ementa do parecer apresentado pela Procuradoria Geral da República (acessível em http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/ADI6.916.pdf):
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL 103/2019. REFORMA DA PREVIDÊNCIA. PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA QUANTO A REGRAS DO REGIME GERAL E PREVIDÊNCIA SOCIAL. MÉRITO. PENSÃO POR MORTE. REDUÇÃO DRÁSTICA DOS VALORES DO BENEFÍCIO. DIMINUIÇÃO EXCESSIVA DO PODER AQUISITIVO DO PENSIONISTA E COMPROMETIMENTO DE SUA SUBSISTÊNCIA. AFRONTA À PROPORCIONALIDADE E À RAZOABILIDADE, À DIGNIDADE HUMANA E À PROTEÇÃO À FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Carece de legitimidade para o ajuizamento de ações de controle concentrado de constitucionalidade a entidade cujas finalidades institucionais não guardam pertinência temática com o conteúdo do dispositivo constitucional impugnado. 2. O novo regramento de pensão por morte, introduzido pela atual Reforma da Previdência, impõe redução severa e demasiadamente rigorosa no valor daquele benefício, em manifesta ofensa à proporcionalidade e à razoabilidade. 3. O mandamento veiculado no art. 23 da EC 103/2019 também incorre em afronta à dignidade humana (CF, art. 1º, III), uma vez que a diminuição promovida nos valores pagos a título de pensão por morte compromete as condições de subsistência e independência dos pensionistas, na medida em que implica em redução, com excessiva onerosidade, do poder aquisitivo, configurando, ainda, violação do direito à proteção do Estado à família (CF, art. 226), destinatária daquele benefício previdenciário. — Parecer pelo não conhecimento da ação no tocante às regras pertinentes ao RGPS e, no mérito, pela procedência parcial do pedido, para que seja declarada a inconstitucionalidade do art. 23 da EC 103/2019 e, por arrastamento, do art. 40, § 7º, da CF, na redação dada pela própria EC 103/2019. (grifo nosso)
Logo, possível a revisão do benefício de pensão por morte concedida após a reforma da previdência, para que seja reconhecida a inconstitucionalidade dos artigos 23 e 26 da EC n. 103/2019, para a aplicação do coeficiente de cálculo de 100% na apuração da renda mensal inicial do benefício em comento.
4. Conclusão
Viável o direito de revisão da pensão por morte concedida após a promulgação da Emenda Constitucional de 2019 para que seja reconhecida a inconstitucionalidade dos artigos 23 e 26 da referida emenda, para que seja aplicado o coeficiente de cálculo de 100% na apuração da renda mensal inicial do benefício em comento.
Para maiores informações, sugere-se a consulta com advogados especializados na área previdenciária que possa orientar qual o melhor curso de ação para casos específico.